CARTA
DE UM PESCADOR À FAMÍLIA
“Vou
novamente à Pesca e vejo nos teus olhos
a reprovação silenciosa de te deixar sozinha… Não me julgues, não é que eu não
queira estar contigo, mas preciso de estar comigo mesmo e bem sei que, por mais
que insistas em tentar compreender a paixão que tenho pela Pesca, jamais irás
conseguir.
É
que sinto na alma esse amor pelos espaços abertos, pelo e pela aventura.
Preciso de um lugar arejado, com água e vento. Quero sujar-me, não quero
preocupar-me com o meu aspecto, quero sentir o cansaço, que o sol queime a minha
cara, e que o frio a congele. Quero ver
e ouvir o mar, sentir a maresia na cara,
ouvir os gritos das gaivotas e sentir a água a bater-me nas botas, as melodias orquestradas
pelos vários animais ....… quero sentir a tua falta e imaginar-te à minha
espera !
Minto-te,
e digo que este será o melhor dia de pesca que vou ter na vida, apesar de saber que na
próxima vez voltarei a dizer o mesmo… E, já no mar, estou feliz, sentindo uma paz
única.
Ás
vezes sinto que nasci na época errada, onde o triunfo do homem é medido em
plásticos de cartão de crédito, onde o frio é regulado com um termostato e o
calor do verão não existe, porque há aparelhos de ar condicionado. Nasci numa
época de traições e lutas por uma conta bancária, por status, onde tudo se
compra e tudo se vende.
Mas
quando pesco, meu amor, afasto-me deste mundo horrível e venenoso. Afasto-me do
conforto, do luxo e da televisão que nos idiotiza. Posso aceitar as regras do
jogo, sou suficientemente civilizado para conviver neste mundo de loucos, mas
deixa-me sair disto de vez em quando.
Amo
as minhas canas, os meus carretos, as
minhas amostras e todo o meu material de pesca , porque são aquilo que me leva
a este grande jogo, que é a pesca - peço-te
que não os vejas como um instrumento de morte, porque eles são um instrumento
de vida. Não há forma de me sentir mais vivo do que quando os empunho diante do
mar.
E
verás que quando não o puder fazer mais, estarei por aí sentado ao sol, onde me
ponham as mãos carinhosas dos nossos filhos ou as tuas, e um sorriso distante
estará desenhado nos meus lábios secos. Não penses que a velhice é inevitável,
pensa antes que estarei a lembrar-me de alguma pescaria e, se me vires triste e
sozinho, entediado na minha cadeira, coloca a minha velha e gasta cana de pesca
nas minhas mãos. Ao tocar nela, vou ser transportado no tempo… verás então que
as minhas mãos apertarão esta velha companheira, tentando recuperar aqueles
momentos que já se foram.
Meu amor, se hoje ou amanhã for à pesca para poder apreciar esses momentos e,
assim, estar feliz., se acontecer alguma coisa enquanto estou no mar, que
ninguém chore.
Que
ninguém fique triste porque de certeza que eu estou a sorrir.